Da floresta para a mesa: benefícios do consumo sustentável de frutas silvestres e contribuições científicas para sua popularização
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Em vários locais do mundo, especialmente em áreas urbanas, as pessoas têm consumido uma variedade cada vez menor de plantas alimentícias. É preocupante, por exemplo, que 51% do alimento de origem vegetal consumido globalmente provenha de apenas três plantas – milho, trigo e arroz1. Esse predomínio de poucos elementos nas dietas humanas possui evidentes desvantagens. Primeiro, uma baixa diversidade alimentar está muitas vezes associada a práticas agrícolas pouco sustentáveis, baseadas, por exemplo, em monoculturas (cultivos de uma única planta em vastas extensões territoriais) e na supressão de áreas de vegetação natural, como as florestas nativas. Além disso, quando os sistemas agrícolas focam em poucas plantas, eventos climáticos extremos, como uma seca prolongada, podem levar a perdas de produção muito maiores do que em casos nos quais a agricultura se baseia em uma maior diversidade de plantas. Finalmente, dietas pouco diversas costumam ser deficientes em nutrientes, o que pode trazer consequências à saúde.
Cientistas de diversas áreas do conhecimento vêm pensando em soluções para diversificar a alimentação das sociedades humanas. Desse modo, os alimentos negligenciados e subutilizados vêm crescendo em interesse. Entre estes estão uma série de frutas silvestres. No contexto brasileiro, o aumento no consumo de frutas silvestres também beneficia populações vulneráveis de agricultores e extrativistas que, muitas vezes, têm no comércio desses produtos sua principal fonte de renda. Diante desse cenário, minhas pesquisas vêm sendo pensadas para auxiliar na popularização de frutas silvestres. Para isso, meu grupo e eu trabalhamos com abordagens interdisciplinares, integrando áreas como etnobiologia, ecologia, ciências do consumidor e psicologia ambiental. Recentemente, temos trabalhado em comunidades extrativistas no município de Piaçabuçu, sul do estado de Alagoas (nordeste do Brasil). Buscamos tratar do consumo e comércio destas plantas de forma abrangente, estudando desde a base da cadeia produtiva (agricultores e extrativistas) até o topo (consumidores e potenciais consumidores). Nossos estudos com os agricultores e extrativistas identificaram as plantas que, segundo eles, têm maior potencial para popularização2, considerando elementos como o sabor, a disponibilidade, o valor nutricional e a velocidade de deterioração. Algumas destas frutas de alto potencial são o cambuí, conhecido pela ciência como Myrciaria floribunda (H.West ex Willd.) O.Berg, o araçá (Psidium guineense Sw.) e a aroeira (Schinus Terebinthifolia Raddi.).
Tendo em vista que a parte de interesse alimentício destas plantas é o fruto, elas possuem alto potencial para extrativismo sustentável, de maneira a conciliar o consumo com a manutenção das espécies em seus ecossistemas naturais. Neste sentido, temos realizado estudos ecológicos e etnobiológicos com as plantas de maior potencial para entender se o extrativismo de frutos pode ser mantido ou ampliado de forma sustentável.
Nossos estudos ecológicos com cambuí3, por exemplo, mostraram que um eventual aumento na retirada de frutos pode comprometer a espécie na região, de maneira que, para agricultores e extrativistas, a melhor forma de ampliar sua renda com o comércio do cambuí seria a partir do beneficiamento e agregação de valor, em contraste com o aumento na coleta.
Ao avaliar as plantas com potencial, assim como a sustentabilidade do extrativismo, preparamos a base da cadeia produtiva para uma eventual popularização destes produtos. No entanto, não é possível pensar em aumento do interesse em frutas silvestres sem dirigir o olhar ao consumidor e potencial consumidor. Muitas frutas silvestres possuem pouca procura. Nosso grupo de pesquisa entrevistou consumidores e potenciais consumidores de alimentos negligenciados e subutilizados na capital do estado de Alagoas (Maceió)4. Observamos que as principais barreiras que dificultam o consumo destes alimentos são a dificuldade em encontrálos nas feiras e mercados, assim como a falta de informações, especialmente nutricionais e gastronômicas, sobre eles.
Assim, estratégias de divulgação são essenciais para ampliar o interesse das pessoas. No entanto, sabemos que este interesse pode variar de acordo com o perfil do consumidor. Nosso grupo observou, por exemplo, a partir de entrevistas em feiras de Alagoas4, que pessoas mais velhas e frequentadores de feiras orgânicas são o público com maiores chances de consumir esses produtos. Em termos de estratégias publicitárias, um estudo recente, ainda não publicado pelo nosso grupo, observou que anúncios focados nos benefícios sociais do consumo de frutas silvestres (por exemplo, geração de renda para comunidades vulneráveis), são mais efetivos do que anúncios que focam nos benefícios nutricionais ou ambientais do seu consumo.
Nossos estudos também revelaram que associar frutas silvestres com outras frutas mais conhecidas pode ser uma forma eficiente para estimular as pessoas a consumilas 3. Vimos, por exemplo, que, ao misturar sucos de cambuí e araçá com frutas como acerola e goiaba, bastante consumidas no Brasil, há uma menor resistência e maior aceitação dos produtos. Embora seja uma estratégia menos efetiva, para alguns públicos, atribuir à fruta silvestre um nome que remeta a uma fruta popular (por exemplo, acerola jasmim, em vez de cambuí), também pode reduzir a resistência do consumidor em aceitar um produto por ele desconhecido3. Mas essa estratégia precisa ser considerada com cautela, pois a manutenção dos nomes populares das plantas é muito importante, especialmente no sentido de valorizar as culturas que originalmente consomem e comercializam esses produtos. Assim, a complementação (por exemplo, “cambuí: a acerola jasmim”) seria mais bem vinda do que a substituição.
Esperamos, com esses estudos, fornecer informações relevantes para aliar geração de renda no campo, conservação da natureza e diversificação alimentar. Esses esforços estão alinhados com a ideia de que precisamos mudar a lógica dos nossos sistemas alimentares, de modo a pensar em uma agricultura plural, sustentável e socialmente justa.